Algumas reflexões sobre a notícia.
Por Inge Ranck, colaboradora do
FETI/SC
A notícia de que um bebê de três meses foi levado às pressas para o
hospital com hipotermia após gravar uma cena de parto à beira de um rio para a novela A Força do Querer, da emissora Globo, reacende a
discussão sobre a gravidade de expor crianças e adolescentes ao trabalho
artístico, sem garantir sua integridade física e psicológica.
De acordo com a imprensa, uma cena de parto à beira de um rio,
gravada no dia 06 de abril de 2017, para a novela A Força do Querer,
da Globo, acabou com uma criança de três meses internada com hipotermia. A
produção teria escolhido o bebê de três meses para a cena e a exposição ao frio
teria feito com o que o pequeno tivesse que ser internado após a filmagem. A
Rede Globo negou que a criança tenha sido internada, mas não deu maiores
informações sobre o assunto.
O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil
(FNPETI) alerta que a participação de uma criança em uma novela configura
trabalho infantil. Conforme a Convenção 138, da OIT, uma decisão judicial pode,
excepcionalmente, autorizar o trabalho infantil artístico.
Essa exceção deve ser lida sistematicamente com as cláusulas da Proteção
Integral e da Prioridade Absoluta. Uma autorização deve ser individual, nos casos em que for estritamente necessária, mediante concessão de
alvará judicial. Sua concessão pressupõe a avaliação daquela necessidade e
deverá disciplinar condições especiais de trabalho, de modo a garantir sua
integridade física, moral e psicológica.
Sempre convém reler o artigo 227, da CF,
que consubstancia o Princípio
da Proteção Integral: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.”
Quando
assistimos uma apresentação artística, não fazemos ideia do que passa nos
bastidores. O trabalho artístico exige muito empenho (dedicação e treinamento),
assim como todas as profissões consideradas como intelectuais. A pressão a que
são submetidos os artistas é agravada no caso do trabalho infantil, em que a
família, na expectativa de uma carreira promissora, entrega suas crianças e
adolescentes aos "cuidados" do contratante. Como se poderia supor,
como se constata em alguma autorizações judiciais que sequer se trataria de
trabalho, mas de garantia do direito à expressão artística?
Atualmente
estamos abrindo os olhos para violência do assédio moral e sexual aos
trabalhadores adultos nesse meio. Se adultos são coagidos a não denunciar, como
se defenderiam crianças e adolescentes?
O caso
do bebê com hipotermia nos obriga a algumas reflexões (entre outras tantas):
- Qual é a "expressão artística" de um bebê?
- É realmente imprescindível a exibição de partos nas novelas para a efetivação da trama? Havia uma autorização judicial individual, avaliando as condições em que o trabalho seria realizado e determinando limites e a proteção?
- Qual a responsabilidade da família que entrega a criança a uma empresa que não permite a presença do responsável legal?
- Por que o fato noticiado, exposição a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, não tem sido tratado como "maus tratos", previsto no artigo 136, do Código Penal?
Este texto não pretender esgotar o tema, mas, ao contrário, instigar a reflexão e o debate. Sugerimos abaixo alguns textos que embasaram este
texto, que nos convencem que a exploração do trabalho infantil artístico, assim
como todas as formas de trabalho infantil, representa uma grave violação dos
direitos humanos da criança e adolescente.
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