Coordenador do programa de cidadania do UNICEF, Mário Volpi. (Crédito: Antonio Cruz/Agência Brasil) |
“Antigamente, havia uma série de visões na
sociedade e no meio científico de que era necessário investir somente na fase
inicial da vida para colher os frutos na fase seguinte. Mas essa lógica não se
realizou porque, na verdade, ela não existe. O que nós observamos é que o
desenvolvimento humano exige um investimento permanente, porque as fases da
vida são complementares. Agora, aquelas crianças que salvamos na primeira
década de vida não foram protegidas na segunda década.”
A constatação acima, do coordenador do Programa
Cidadania dos Adolescentes do Fundo das Nações Unidas para Infância
(UNICEF), Mário Volpi, é uma triste realidade no Brasil, comprovada
por números alarmantes.
Nos últimos dez anos, 25 mil vidas foram
salvas com a redução da mortalidade infantil
causada por doenças respiratórias ou diarreia. Em contrapartida, mais de 80 mil jovens foram assassinados no país nesse
período.
Quando se trata de trabalho infantil, as
estatísticas igualmente chamam a atenção. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)
2015 indicam que de 2,6 milhões de crianças e adolescentes
atualmente em situação de trabalho no Brasil; 2 milhões
têm entre 14 e 17 anos de idade.
Volpi, que também é organizador da publicação “O Direito de Ser Adolescente”, entre outras obras,
conversou com a Rede Peteca – Chega de Trabalho Infantil sobre
como a falta de políticas públicas e atenção adequada aumentam a situação de
vulnerabilidade dos jovens no país. Confira a entrevista completa:
A segunda década
"O perfil da
primeira década da vida está mais associado ao estímulo, proteção e aprendizagem. Já a segunda
década está ligada à aprendizagem, mas também à participação, ao
desenvolvimento coletivo e à produção. O adolescente não é mais uma
criança, tampouco um adulto. Ele possui uma dinâmica de interação
específica com seus pares e precisa fortalecer sua identidade e autonomia, mas
muitas vezes encontra-se em um limbo nas áreas da saúde, educação ou cultura.
Não existe essa máxima de que você resolve os
primeiros problemas na infância e o restante da vida está garantido. É
necessário fazer a transição da primeira para a segunda década de vida e
revisar as políticas públicas para agregar as duas fases".
Educação
"Nós temos 1,7 milhão de adolescentes
fora da escola em todo o Brasil. Logo, a afirmação de que se
você tem um bom ensino fundamental terá um bom ensino médio não é verdade.
Perdemos 50% dos adolescentes pelo caminho e, se não houver um bom
investimento nesta área, eles não irão concluir o ensino.”
Lei do Aprendiz
"Não deveríamos deixar para os adolescentes a responsabilidade de sustentar suas famílias ou complementar
a renda. A melhor solução para o adolescente que começa a trabalhar
em função da condição socioeconômica de sua família é a Lei do Aprendiz. Muitos jovens de origem
humilde acabam abandonando a escola por conta da cansativa rotina de trabalhar
durante o dia e estudar à noite, muitas vezes se deslocando entre longas
distâncias.
A lei vai assegurar que ele tenha
uma jornada de 4 horas, tempo para se preparar para as provas e a garantia de que sua aprendizagem no trabalho esteja
relacionada com o conteúdo escolar, complementando o conhecimento
adquirido. Há um potencial enorme nessa lei que ainda não foi explorado, principalmente pelas empresas, que têm a
obrigação de contratar aprendizes e podem contribuir para a diminuição do trabalho
inadequado.”
Crédito: Galeria Fora do Eixo/Creative Commons |
O mercado de trabalho
"Muitos países europeus e alguns países da
América do Sul, como Argentina, Colômbia e Uruguai, já possuem
políticas estruturadas para a entrada gradativa do jovem no mercado de
trabalho, pois entendem que isso contribui para seu desenvolvimento
profissional. Quando a pessoa começa a trabalhar tendo concluído o curso
superior, ela tem uma evolução salarial e de cargo mais rápida do que a pessoa
que entra só com o ensino médio. Já esta entrada abrupta no mercado de
trabalho pelo jovem que interrompe o estudo não é sustentável porque depois ele
precisa conciliar um aprendizado tardio com outras responsabilidades da vida adulta
e a trajetória educacional fica comprometida.”
Violência e Maioridade Penal
“Infelizmente no Brasil os tomadores de decisão
estão obcecados por essa política de lei e ordem, mas desenvolver políticas repressivas e punitivas é um
contrassenso e não se encaixa em nenhuma solução para o problema da
violência.”
"Não há nenhum país que diminuiu a violência reduzindo a idade de responsabilidade
penal. Pelo contrário, em lugares que aceitam prisão perpétua e pena
de morte para pessoas menores de 18 anos, o percentual de homicídios cometidos
por adolescentes é maior do que naqueles locais em que não existe a pena
capital.”
Soluções
"A Lei do Aprendiz, o combate à evasão escolar,
políticas de proteção social e o fortalecimento dos direitos de crianças e adolescentes são
algumas medidas que podem contribuir para melhorar o cenário atual e resolver
alguns problemas no curto prazo. Outra experiência positiva que realizamos na
UNICEF, e que já foi comprovada e mapeada no Brasil, são os grupos voltados para adolescentes.
Só o fato de o jovem participar de um espaço de discussão e estar engajado em
alguma causa ou projeto reduz o abuso de drogas, gravidez precoce, evasão escolar
ou situações de violência.”
Perspectivas para 2017
“Não há fórmula mágica: se o país não investir
na adolescência agora, daqui alguns anos, quando a maior parte da
população tiver entre 35 e 55 anos, serão estes mesmos jovens que demandarão
políticas compensatórias.”
"Este será um ano muito desafiador. Nós
ainda não consolidamos as propostas que circulam por aí e há diversas lacunas
no país que precisamos resolver. Sem contar que o Brasil está
envelhecendo e desde o Censo de 2010 percebemos um declínio da
população mais jovem, além do aumento de pessoas com mais de 60 anos,
o que também reflete na melhoria da qualidade da população em geral.
Precisamos fazer um trabalho de convencimento dos
governantes e reafirmar a importância de investirmos em políticas públicas
voltadas à segunda década da infância para que o país tenha um
desenvolvimento sustentável.”
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